A prosa de hoje é sobre uma das duplas de maior sucesso da música sertaneja brasileira, pioneira em trazer a influência da música latina para o gênero e a primeira dupla formada por marido e mulher. Tô falando de Francisco dos Santos, e Ana Eufrosina da Silva Santos, mais conhecidos como Cascatinha e Inhana. Vai Assuntando
Francisco dos Santos, o Cascatinha, nasceu em Araraquara SP, na Fazenda Cafelândia, no dia 20 de abril de 1919. Aos 10 anos, foi morar na cidade de Marília, onde aprendeu a tocar caixa na banda da cidade. Com 18 anos, integra a trupe do Circo Nova Iorque, como baterista e aos poucos, foi revelando suas qualidades de intérprete e violonista, cantando Sambas e Serenatas em dupla com o paraibano Natalício Fermino dos Santos, o Chopps.
A origem do apelido Cascatinha é controversa. Uns afirmam que é um apelido de infância, pois, o Francisco dos Santos costumava cabular aulas pra se banhar nas águas de uma cascata que havia nos arredores onde morava. Outros dizem que o apelido surgiu, por conta da cerveja Cascatinha, que existia na época em que Francisco cantava em parceria com o Chopp. Assim o nome da dupla teria uma combinação que faria sentido. Chopps & Cascatinha.
Ana Eufrosina dos Santos nasceu em Araras SP em 28 de março de 1923. Era uma jovem muito bonita que, desde os 14 anos, cantava no Jazz Band de Araras. Seus dois irmãos, José do Patrocínio e Luiz Gonzaga, não o Rei do Baião, também participavam do conjunto, um na bateria e outro no contrabaixo.
Em 1941, o Circo Nova Iorque passou pela cidade de Araras e Ana foi assistir ao espetáculo. Ao ver Francisco cantando e tocando violão ela se apaixonou.
A paixão foi tanta que Ana rompeu um noivado de mais de um ano e seguiu viagem com Francisco. E lógico que isso tudo aconteceu contra a vontade de seus pais, já que artista de circo, no conceito deles, tinha um amor em cada praça.
Surge então o Trio Esmeralda, formado por Cascatinha, Chopp e Inhana, Apelido derivado de Senhora Ana, ou Sinhá Ana. Do namoro para o casamento foram apenas 5 meses. Francisco e Ana casaram-se em 25 de setembro de 1941.
Em 1942 o Trio Esmeralda se muda para Volta Redonda, no Rio de Janeiro, onde participavam de programas de calouro, mas após um desentendimento, Chopps abandona o trio e Cascatinha, então, inicia a dupla com a esposa, formando Cascatinha & Inhana. Um dos duetos mais belos e harmoniosos da música brasileira.
Ainda em Volta Redonda foram contratados pelo Circo Estrela Dalva e, entre diversas excursões pelo Brasil, atuaram também em outros circos e também no Parque de Diversões Imperial.
Em 1947, quando o parque passou por Bauru-SP, Cascatinha e Inhana assinaram um contrato de um ano com a Rádio Clube de Bauru.
No ano seguinte, mudaram-se para a capital paulista, contratados pela Rádio América. Dois anos depois assinaram contrato com a Rádio Record, onde permaneceram por 12 anos.
Em 1951, Raul Torres, juntamente com Florêncio e Rielli, tinha um show marcado na cidade de Jundiaí; como Raul havia adoecido, sugeriu que Cascatinha e Inhana, que já conhecia desde os tempos em que tentavam a sorte no Rio de Janeiro, o substituíssem. E, nesse show, apesar do cachê razoável, Cascatinha e Inhana interpretariam somente uma música, no entanto, foram aplaudidos de tal modo que só conseguiram sair do palco após cantar mais uma meia dúzia de outros sucessos!
Raul Torres, quando soube do sucesso do casal em Jundiaí, convidou Inhana para fazer o acompanhamento vocal nas gravações das Modas de Viola "Rolinha Correio" de Raul Torres e Sebastião Teixeira e "Pomba do Mato", de Raul Torres, na Todamérica, gravadora na qual Raul tinha boa influência. E, já no dia seguinte, o primeiro disco foi gravado: um 78 RPM contendo “La Paloma”, versão de Pedro Almeida e “Fronteiriça”, de José Fortuna, O disco foi lançado em julho de 1951.
Sem sombra de dúvidas, o maior sucesso da carreira da dupla foram as duas versões de José Fortuna para Índia e Meu Primeiro Amor. Em seu lançamento esse disco ultrapassou a marca de 2 milhoes e meio de cópias vendidas. Um Marco histórico, pois foi a primeira vez que um disco de Música Sertaneja atingiu esse número. Um fato inusitado, diga-se de passagem, pois, nos anos 50, poucas pessoas tinham aparelhos fonográficos em casa.
O próprio Cascatinha conta que esse disco demorou a sair, pois o diretor da Todamérica, não queria grava-lo, porque já havia uma versão de Índia gravada. Mas Hernani Dantas acabou cedendo aos pedidos insistentes dos ouvintes que escutavam as canções ao vivo, na Rádio Record, interpretadas por Cascatinha e Inhana, e que procuravam inutilmente os discos nas lojas, as quais, por sua vez, os encomendavam à gravadora!
Em 1954, receberam Medalha de Ouro da Revista "Equipe" e passaram a ser conhecidos como "Os Sabiás do Sertão", pelos recursos vocais e agradáveis nuances desenvolvidos pela dupla. A voz soprano de Inhana é considerada uma das vozes femininas mais perfeitas do Brasil.
O casal "terçava" as vozes como fazem as Duplas Caipiras, porém, a beleza em particular do timbre das duas vozes, aliada à facilidade com que Inhana conseguia "passear pelas notas agudas", mais a sofisticação da "segunda voz" do Cascatinha e os arranjos instrumentais bem elaborados deram a Cascatinha e Inhana uma "liberdade incomum" para escolha do repertório, por sinal, um dos mais bem escolhidos, não só na Música Caipira, mas na Música Brasileira, de um modo geral.
Foi uma carreira de 34 discos 78 RPM, com 68 músicas e cerca de 30 LP’s, tanto na Todamérica como também na Continental. E não foram apenas versões de Guarânias Paraguaias. Cascatinha e Inhana também gravaram obras de grandes Compositores Brasileiros tais como
Guacira de Hekel Tavares e Joracy Camargo;
Quero Beijar-te as Mãos” de Lourival Faissal e Arsênio de Carvalho
O Menino e o Circo de Ely Camargo
Flor do Cafezal de Luiz Carlos Paraná
Chuá, Chuá de Pedro Sá Pereira, Marques Porto e Ary Pavão
Colcha de Retalhos de Raul Torres, e
Serra da Boa Esperança de Lamartine Babo
Enfim, um repertório riquíssimo em canções de bastante lirismo, toadas, baiões, xotes, valsas, canções rancheiras e tangos brejeiros, além das famosas versões de músicas latinas, principalmente as já mencionadas Guarânias Paraguaias.
A dupla ganhou também o Troféu Roquete Pinto em 1951 e 1953, além de seis Discos de Ouro.
Em 1978, no Teatro Alfredo Mesquita, em São Paulo, levam o espetáculo Índia, de bastante repercussão, contando sua trajetória artística, uma brilhante carreira e um maravilhoso casamento de 40 anos, que só teve fim com o falecimento de Inhana no dia 11 de junho de 1981, véspera do Dia dos Namorados: Inhana passou mal em um salão de beleza, quando se preparava para comemorar a data. E faleceu no Hospital Leão XIII em São Paulo.
Cascatinha continuou a se apresentar sozinho em Votuporanga-SP e depois em São José do Rio Preto-SP, onde veio a falecer em 1996, na Beneficência Portuguesa, vítima de cirrose hepática. Viu lançados pela Revivendo dois CDs: Índia - Volume 1 e Meu Primeiro Amor - Volume 2, os quais reuniram 38 músicas de seus antigos discos de 78 RPM. A gravadora paranaense também produziu os volumes 3, 4 e 5 no mesmo estilo dos dois primeiros, formando um conjunto bastante representativo da obra de Cascatinha e Inhana
Cascatinha também chegou a lançar no ano seguinte ao falecimento de Inhana o LP Canto com Saudade. E também participou de uma gravação de Flor do Cafezal, juntamente com Rolando Boldrin em 1982.
Cascatinha e Inhana amaram-se e viveram um casamento de 40 anos, juntos no palco, nas rádios e circos.
Ainda em vida, Cascatinha pediu à sua segunda mulher, Helena Lopes da Silva, que doasse seu bem-cuidado acervo à Prefeitura de São José do Rio Preto. E assim foi feito.
No espaço que leva seu nome, no primeiro andar do Centro Cultural de Rio Preto, as estantes e vitrines guardam peças relacionadas à vida musical da dupla e objetos pessoais. Ao lado de uma colcha de veludo em patchwork, repousam as bijuterias de Inhana, os brincos brejeiros em forma de flor e as abotoaduras de Cascatinha.
Pela sala, num respeito quase religioso, enfileiram-se alguns discos 78 rotações com os maiores sucessos da dupla, inúmeros troféus, entre eles o Roquete Pinto, o maior do rádio, medalhas, diplomas, documentos, a foto de casamento, um violão, recortes de jornal. Enfim, uma seleção que entrelaça a história pessoal e a história da música, perpetuando talentos que se foram.
E através desse episódio, também deixo aqui minha singela homenagem à dupla Cascatinha e Inhana.
Emular essa prosa com Cascatinha e Inhana foi muito especial e emocionante pra mim, que sou um grande fã. Mas isso só foi possível, graças à um gênio da comunicação, chamado Fernando Faro, um Sergipano, nascido em junho de 1927, Neto de dono de engenho que estreou na TV no início da década de 1950, onde foi diretor, roteirista e produtor.
Seu maior trabalho foi o programa Ensaio, na TV Cultura de São Paulo. Nesse programa Fernando Faro entrevistava os artistas, mas apenas o artista entrevistado aparecia, mesclando as respostas às perguntas do entrevistador e performances musicais.
Então resolvi fazer essa montagem, utilizando alguns trechos do programa Ensaio, com Cascatinha e Inhana, que foram ao ar em 1973.
Então, aproveito pra deixar aqui minha homenagem ao Fernando Faro, o Baixo, que, além de Ensaio, idealizou programas como Móbile, Hora da Bossa, TV Vanguarda e Divino Maravilhoso em suas passagens pelas TV TUPI, TV EXCELSIOR, REDE GLOBO, BANDEIRANTES E TV RECORD.
Em 2007, pra comemorar os 80 anos de Faro, a Fundação Padre Anchieta lançou sua biografia: “Baixo – Fernando Faro” cujo título é uma referencia ao termo que ele utilizava para chamar qualquer um à usa volta. E por esse motivo, tornou-se o apelido de Faro.
Faro nos deixou em 25 de abril de 2016, aos 88 anos. Mas deixou como legado, excelentes entrevistas com vários artistas brasileiros.
Muito obrigado, Fernando Faro!
Muito obrigado, Cascatinha e Inhana!
Fontes:
CASCATINHA e Inhana. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: <http://enciclopedia.itaucultural.org.br/grupo634948/cascatinha-e-inhana>. Acesso em: 15 de Mai. 2021. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7
CASCATINHA E INHANA. In: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Cultural Cravo Albin. Disponível em: < http://www.dicionariompb.com.br/cascatinha-e-inhana/ >. Acesso em: 10 jul. 2013.
Comments