No meio caipira, Comitiva é o termo utilizado para designar um time de peões responsáveis pelo transporte de boiadas entre um lugar e outro.
O maior movimento das comitivas passou a ser em direção à cidade paulista de Barretos, a partir do ano de 1.913, quando se instalou ali o primeiro frigorífico do Brasil. A Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos foi criada no ano de 1.956, inspirada nas comitivas e na figura do peão de boiadeiro.
As comitivas
As comitivas eram formadas por peões de boiadeiro que, montados preferencialmente em muares, embora também utilizassem cavalos, faziam o transporte do gado andando pelas estradas. Tinham como chefe o dono da comitiva, que nesse caso era chamado de comissário, ou alguém a mando do dono, que então seria chamado de capataz. O transporte de boiada andando pelas estradas, com essas características, era praticado nos estados de São Paulo, Mato Grosso e Goiás, além do sul de Minas Gerais, incluindo o Triângulo Mineiro, e norte do Paraná. O ponteiro de boiada ia na frente do gado com o berrante, que ele tocava ora para acalmar, ora para estimular, os animais, e também para dar sinais aos demais peões. Os peões da culatra, como sugere o nome, vão na parte de trás tocando o gado para a frente. Em algumas comitivas, dependendo das circunstâncias, existia o peão da "culatra manca", que ficava para atrás acompanhando um animal fraco, doente ou ferido que, por andar muito devagar, poderia comprometer a marcha da boiada. E, por último, mas não menos importante, o cozinheiro, que era o encarregado de fazer a comida para todos os integrantes da comitiva.
Além dos animais arreados ia também a tropa solta, para fazer as substituições evitando sobrecarregar de trabalho só uma parte da tropa. O cavalo-madrinha, ou polaqueiro, geralmente um cavalo pequeno, servia de guia para a tropa solta e levava uma campainha, no caso o polaco, pendurado no pescoço.
Enquanto a tropa solta seguia junto ou logo à frente da boiada, o cozinheiro se adiantava com os cargueiros, onde levava os mantimentos e tralhas de cozinha, para encontrar um local adequado, geralmente à beira de um córrego, e preparar a refeição. Dos personagens do campo, dentre os quais os roceiros, os peões de fazenda, os domadores, os carreiros, os pirangueiros, e outros, o peão de boiadeiro era o que chamava mais a atenção por levar uma vida repleta de aventuras, sempre viajando grandes distâncias tocando as boiadas sobre a sua montaria. Por isso que as mais belas modas de viola, verdadeiras jóias do nosso cancioneiro caipira (campeiro), têm como tema o peão de boiadeiro.
O berrante
O berrante é uma espécie de buzina, feita de chifres de animais bovinos, unidos entre si por uma cola especial e/ou cravos. Tem uma ponta mais estreita, que é o bocal, contendo um pequeno orifício por onde o ponteiro assopra para produzir o som, que sai na outra extremidade do berrante, esta bem mais larga. Os toques de berrante utilizados no estradão são os seguintes:
Solta da boiada: toque sereno, destinado a despertar a boiada para iniciar a viagem.
Estradão: quando a boiada está cansada e encurta o passo e é preciso apressar os animais, é um toque repicado, semelhante ao som do soldado marchando.
Rebatedor: destinado a chamar um peão para a frente em caso de necessidade, como por exemplo numa encruzilhada, é um toque agudo semelhante ao som do clarim.
Queima do Alho: toque que anuncia a hora da refeição. Os peões rebatedores têm a função de evitar a dispersão do gado onde não há cerca ou, havendo cerca, haja uma abertura, e também nas encruzilhadas.
A queima do alho
A "queima do alho" é o preparo da comida dos peões de boiadeiro das comitivas de transporte de boiada. Quando os boiadeiros se aproximavam do local onde a comida estava sendo preparada, sentiam o forte cheiro do alho sendo frito na panela e exclamavam: "o cozinheiro já está queimando o alho", isto é, está cozinhando.
Daí surgiu a expressão que hoje dá nome ao famoso concurso de culinária que se realiza todo mês de agosto, na Festa do Peão de Boiadeiro de Barretos, no Ponto de Pouso. A comida é feita em pequenos fogões dobráveis, chamados trempes, que viajam sobre os cargueiros. Os pratos são: arroz de carreteiro, feijão gordo, paçoca de carne e carne assada na chapa. Os usos e costumes, indumentária, terminologia e tralhas dos peões de boiadeiro variam no tempo e no espaço, o que deve ser levado em consideração no julgamento, porém é preciso que a queima do alho seja feita no contexto histórico objetivado no concurso, ou seja, como faziam os cozinheiros das comitivas de transporte de boiada de antigamente. Por isso é que não se pode usar panela de pressão, utensílios de louça, plástico ou vidro, e outras coisas incompatíveis com a finalidade do concurso.
A Indumentária
A indumentária do peão de boiadeiro compreende, basicamente, as seguintes peças: chapéu aba larga, lenço no pescoço, camisa de manga comprida, calça (não pode ser apertada) ou bombacha, cinto, guaiaca e botas. Não é demais lembrar que peão de boiadeiro jamais usou uniforme e quem usa calça jeans e bota texana é cowboy.
Antigamente, a indumentária do peão de boiadeiro, bem como a sua tralha de arreio, não eram muito diferentes daquelas usadas pelos demais campeiros e mesmo por pessoas que moravam nas pequenas cidades do interior, lembrando que pouquíssimas pessoas podiam ter um automóvel, de modo que quase todo mundo andava a cavalo. Então, podemos dizer que, naquela época, um peão de boiadeiro, um lavrador, um fazendeiro ou mesmo um comerciante, se vestiam e usavam tralhas de arreio do mesmo estilo. Lembremos que a guaiaca, por exemplo, servia para guardar e transportar dinheiro, de modo que também um lavrador, um fazendeiro ou um comerciante, poderiam usá-la, e não somente o peão de boiadeiro. Com o arrefecimento da atividade de transporte de boiada no estradão e com a evolução dos usos e costumes e dos trajes, os peões de boiadeiro passaram a usar uma indumentária no trabalho e outra quando estavam na cidade. Podemos imaginar um jovem peão de boiadeiro de Barretos, do começo dos anos setenta, que está de folga no fim de semana e sai para passear. Ele vai vestir a sua calça "boca de sino" xadrez, camisa de manga comprida agarrada, colarinho enorme e pontudo e calçar sapato de plataforma (num ri, não, que era assim mesmo). Se o pai liberasse o fusca, então, estava perfeito. Quando chegava na praça ele fazia o fusca "cantá os pneu" pra chamá a atenção das moças. Diferente se fosse, por exemplo, nos anos quarenta, pois nesse caso o rapaz sairia a passeio no mesmo traje do trabalho, limpo é claro (precisa explicar, senão...), montado na sua mula traiada. Quando chegava na praça ele cutucava a mula na espora para fazer a mula pular e chamá a atenção das moças. Nos anos sessenta chegou a calça "Lee", a primeira calça jeans, e outras modelo "rancheira", com bolsos costurados para fora e presos por rebites. Chegou também a influência "country" e o resultado se vê aí nas ruas da cidade e também no campo.
Declínio da Profissão
A atividade de transporte de boiada por terra, via estradão, no Estado de São Paulo, rumo a Barretos, começou no início do século XX, e terminou no ano de 1986, quando a comitiva do comissário Wilson Pimentel transportou a última boiada pelo estradão até Barreros.
Porém, já nos anos cinquenta, essa atividade iniciou um lento, gradual, porém inexorável declínio que durou, como se conclui, cerca de trinta anos. E isso se deveu a vários fatores, dentre os quais podemos destacar a chegada da estrada de ferro ao Rio Paraná, quando algumas boiadas passaram a ser embarcadas no trem para chegar aos abatedouros. Além disso, as estradas, ainda que não totalmente asfaltadas, melhoraram bastante facilitando o uso dos caminhões gaiola para o transporte do gado.
Agradecimentos Especiais
Deixo aqui meus sinceros agradecimentos a todas as Comitivas de Transporte de Boiada, em especial à Comitiva Boi Soberando, na pessoa de seu comissário, o Senhor Aguinaldo José de Góes, por manter viva a história e a tradição de nossa cultura caipira.
COMITIVA BOI SOBERANO - recordando o transporte elegante das boiadas - revivendo os costumes dos nossos antepassados - valorizando as manifestações culturais do homem do campo (moda de viola, dança do catira, Folia de Reis e festa de São João)
Para saber mais sobre a história das comitivas paulistas de transporte de boiada da primeira metade do século XX, acesse: www.comitivaboisoberano.com.br | Fabebook